Como o próprio disse, a Intuição Introvertida (Ni) bem como a Sensação Introvertida (Si) são de difícil descrição e sempre aparecem tentativas na internet das pessoas tentarem descrever essas funções de forma fácil e resumida, e é exatamente difícil e complexo o jeito que Carl Jung as descreve.
A Ni /ene-í/ é tida popularmente como a função de prever o futuro, função que fala só do futuro por aí. Mas será mesmo?
Bom, para saber isso é preciso, nada mais nada menos, do que ler o que Jung escreveu…
Tá, mas não é fácil ler as coisas que Jung escreve. É necessário um pouco de exercício de interpretação indeed.
Então vamos colocar os pontos chaves aqui do que foi escrito e tentar te ajudar nessa missão de entender realmente o que Carl Jung disse sobre a Intuição Introvertida a.k.a Ni
Para isso vamos pegar o livro Os Tipos Psicológicos de Jung e abrir na página 411 quando ele já tinha começado a introduzir sobre tipos introvertidos. Ele começa dizendo:
“Na atitude introvertida, a intuição se volta para os objetos interiores, como poderíamos denominar os elementos do inconsciente. Os objetos interiores se comportam para a consciência como se fossem objetos exteriores, ainda que não se constituam de uma realidade física, mas psíquica. ” (Carl G. Jung)
Quando Jung fala de atitude ele está sempre se referindo a Extroversão vs. Introversão. Quando alguém tem uma função é introvertida, ela se comporta assim: ela sai do sujeito em direção ao mundo exterior, a realidade, e retorna ao sujeito como se fosse refletida num espelho e volta ao interior da sua mente, para ser intuída dentro da cachola do sujeito. Nesse caminho, a intuição passa a ver essa reflexão meramente “virtual” e subjetiva como se fossem imagens reais, e não meramente uma projeção fictícia.
“Os objetos interiores parecem para a percepção intuitiva imagens subjetivas de coisas que não se encontram na experiência externa, mas que constituem conteúdos do inconsciente, ou, em última análise, do inconsciente coletivo.”
Uma ridicularmente curta e resumida explicação sobre o inconsciente coletivo é de que é que ele é uma ligação psíquica que todos os humanos possuem em comum, passado de geração em geração através dos nossos genes, mas não em forma física, mas sim, como lembranças, memórias, sensações. Afinal, todos nós humanos temos o mesmo ancestral comum, e diferente do inconsciente pessoal, o coletivo então seria essa espécie de “ligação” por pensamento que todos temos. Porém, segundo Jung, a intuição introvertida teria mais habilmente a capacidade der enxergar essas imagens primordiais mais claramente, tão vívidas que podem parecer até realidade para o portador de uma intuição introvertida forte.
“A intuição introvertida percebe todos os processos de fundo da consciência, praticamente com a mesma nitidez com que a sensação extrovertida percebe os objetos exteriores”
Jung também explica que a Ni, por ser uma função perceptiva e irracional não está interessada em julgar essas imagens vistas no fundo do seu cérebro, sem interesse em atribuir qualquer valor positivo ou negativo, preferindo apenas “enxerga-las”, visita-las e observar essas imagens primordiais:
“(…) também o intuitivo introvertido vai de imagem em imagem, correndo atrás de todas as possibilidades do seio gerador do inconsciente, sem estabelecer a conexão do fenômeno consigo mesmo. Assim o mundo jamais será um problema moral para quem apenas o percebe (…) o mundo das imagens nunca será problema moral para o intuitivo. Será para ambos (assim como o intuitivo extrovertido) um problema estético, uma questão de percepção (…).”
Logo mais alguns parágrafos a frente, nós podemos começar a entender o formato que a Ni começa a tomar de uma função que enxerga o futuro ou do porquê um INFJ então seria o oráculo e um INTJ tão bom estrategista. Para entender porque a Ni “prevê” o futuro, precisamos entender racionalmente como ela funciona.
“A intuição introvertida capta as imagens que nascem dos fundamentos a priori, isto é, hereditários, do espírito inconsciente. Esses arquétipos, cuja natureza íntima à experiência, representam o sedimento do funcionamento psíquico da linha ancestral, isto é, das experiências do existir orgânico em geral, acumuladas em milhões de repetições e condensadas em tipos. Nesses arquétipos, portanto, estão representadas todas as experiências que tiveram lugar nesse planeta, desde as mais remotas eras.”
Como foi dito, a intuição introvertida então, teria uma maior habilidade de enxergar o inconsciente coletivo que todas as pessoas tem mais de perto e com mais clareza do que outras pessoas, tendo acesso a esse banco de dados universal presente na nossa genética, podendo revisita-lo como uma verdadeira biblioteca que ele caminha nos corredores e seleciona a obra mais antiga e consegue ter uma informação que nem todos conseguem ter. Uma biblioteca imaginária, mas que está lá na nossa cabeça, e poucos conseguem entrar nela.
Tá, mas então isso não teria a ver com o passado ao invés do futuro?
“a intuição introvertida, mediante a percepção dos processos interiores, fornece determinados dados que podem ser da máxima importância para a compreensão dos acontecimentos em geral; pode, inclusive, prever com maior ou menor clareza as novas possibilidades, bem como o que realmente acontecerá mais tarde. Sua visão profética é explicável por sua relação com os arquétipos que representam o decurso legítimo de todas as coisas experimentáveis.”
A previsão dita que acontecem nos tipos que usam Ni se da por meio de um processo óbvio e não miraculoso. Afinal, tipos que tem acesso a essa informação passada com mais clareza teriam um maior conhecimento das coisas que deram certo e deram errado no passado, assim fazendo uma calculo básico estatístico do que pode acontecer no futuro, baseando-se nessas imagens que ele revisitou tantas vezes. Não é que intuitivos introvertidos de fato prevejam o futuro. É apenas que eles usam estatísticas com mais frequência do que outros tipos, olhando para todos esses dados e imagens acumulados no inconsciente, mas claro, tudo de forma passiva.
Mas, sempre que Jung fala dos tipos no seu livro, ele nem sempre deixa claro que está falando de tipos puros ou exemplos “perfeitos”, ou tipos “modelo”. A maioria das pessoas, mesmo as Ni’s dominantes, não tem habilidades tão incríveis ao nível profético como ele cita. Seria mais uma espécie tentativas de guiar seu próprio mundo através dessas imagens primordiais. Não é como se ele fosse acertar na mega-sena toda semana, mas Ni’s teriam então maiores sucessos em lugares que usassem esse dom de alguma forma, como analistas, estrategistas, conselheiros etc. Na maioria das vezes, pela capacidade baixa dum Ni dominante se comunicar efetivamente, ele acaba usando mais essa habilidade em benefício próprio, a menos que saiba desenvolver bem suas funções extrovertidas para parecer efetivo na mensagem que quer passar ao invés de parecer um lunático que diz que o fim está próximo.
“O fantasista (como trata alguns intuitivos introvertidos mais a frente), porém, contenta-se com a contemplação pela qual se deixa formar (…). O aprofundamento da intuição leva naturalmente o indivíduo a um grande afastamento da realidade palpável, de modo a tornar-se completo enigma até mesmo para as pessoas mais chegadas.”
Eu gosto de trazer essa descrição para os dias atuais comparando a intuição introvertida com uma timeline de um video qualquer.
A intuição introvertida é como se fosse uma timeline de um video no Youtube, e você está bem no meio do video, vivendo sua vida. Mas você tem o controle de voltar e adiantar essa timeline, tendo um completo controle sobre o que foi visto e o que acontecerá mais na frente. Porém, é provável que esse video seja sua própria vida, e no máximo você sabe o que vai acontecer com ela.
O tipo intuição introvertido
Na página 413, Jung começa a descrever mais detalhadamente o tipo intuitivo introvertido em si. É descrito como:
“sonhador e visionário místico, por um lado, e o fantasista e o artista, por outro lado. (…). Se for artista, apresentará sua arte coisas extraordinárias, estranhas ao mundo, reluzentes em todas as cores, ao mesmo tempo importantes e banais, belas e grotescas, sublimes e ridículas. Não sendo (um) artista, é muitas vezes um gênio incompreendido, um estroina, uma espécie de sábio meio louco, personagem típico de romances ‘psicológicos'”.
Perceba como é fácil, para os familiarizados com os 16 tipos, como é fácil enxergar os tipos INFJ e INTJ nessas descrições. Ainda naquela época, muito primitivamente tratados como um só tipo, condensado de várias maneiras, e hoje temos os dois tipos bem definidos. Consigo enxergar ambos na descrição, mas como se tivesse claramente falando do sonhador e artista místico para o INFJ e gênio incompreendido para o INTJ. E da mesma forma que acho injusto a atribuição de “mastermind” para INTJs, acho igualmente injusto a não atribuição, como quem diz, reconheçam, porém não deixe que lhe suba a cabeça.
O próprio INFJ é uma espécie de mastermind com seu raciocínio intelectual que ronda entre sua Ni dominante e sua Ti terciária e INTJs também podem ser ótimos artistas com suas visões incríveis para estética por causa da sua Ni-Fi. No geral, ambos os tipos parecem perfeitamente descritos aí, por mais, como disse, que cada um tenha suas particularidades especiais, mas sem dúvida, ambos visionários.
E o porquê desses dois tipos, por usarem uma função plenamente subjetiva e perceptiva como a Ni, as vezes são tidos como alarmistas, críticos, teimosos e até arrogantes? Parte do pressuposto que suas funções judicativas estejam funcionando (ou não funcionando como deveriam). No caso do INFJ a Fe secundária (Sentimento Extrovertido) que prefere usar uma função de sentimento para julgar o mundo e para o INTJ a Te secundária (Pensamento Extrovertido) que prefere usar uma função de pensamento para julgar o mundo a sua volta de forma segundo as lógicas das leis, sejam leis da ciência ou leis constitucionais.
“Ainda que não seja do feitio do tipo introvertido intuitivo fazer da percepção um problema moral, pois para isso é necessário um certo fortalecimento das funções judicativas, basta uma diferenciação relativamente pequena do julgamento para transferir a contemplação do puramente estético para o moral. Surge assim uma variação do tipo que difere essencialmente da sua forma estética, mas é, apesar disso, característica do intuitivo introvertido.”
A partir daí Jung mostra que o resultado desse introvertido aplicar um julgamento moral sobre sua percepção diferenciaria então o INFJ do INTJ, mesmo que não há citação desses dois tipos, tendo em vista que os 8 tipos psicológicos foram expandidos para 16 depois por Myers-Briggs.
Falando em função de julgamento, a falta de prática de usa-las, faz desses dois tipos em especial terem dificuldades claras de comunicação com os outros. Uma total imersão pelo seu próprio mundinho mental das imagens primordiais do inconsciente sem tentar ao menos colocar isso pra fora através de um julgamento extrovertido, seja sentimental ou pensativo, faz com que intuitivos introvertidos pareçam, e de fato as pessoas sempre comentam na internet, ter dificuldade na fala, problemas de dicção ou até mesmo de explicar alguma situação de forma convincente. Quem dirá explicar o que vai acontecer no futuro.
“Sua linguagem não é a que todos usam, mas altamente subjetiva. Falta a seus argumentos a razão persuasiva.”
Ainda por cima a função Ni é completamente oposta a função Se, Sensação Extrovertida. Essa que daria então a habilidade de ver o mundo externo real e presente exatamente como ele é, diferente da biblioteca imaginaria que falamos anteriormente. Sendo a Sensação Extrovertida a função mais ofuscada e pisoteada pelos intuitivos introvertidos.
“O intuitivo introvertido reprime a sensação do objeto ao máximo. É a característica de seu inconsciente. No inconsciente existe uma função sensação, extrovertida e compensadora, de caráter arcaico.”
Mais a frente Jung fala aquilo que falei mais cedo, desse tipo poder as vezes parecer chato ou teimoso. A depender totalmente da percepção que o Ni dominante tem das imagens interiores contrariando a percepção da Se inferior:
“Instintividade e intemperança são características dessa sensação (extrovertida inferior)”
E ainda as provocações que uma sensação dessas, extrovertida e inferior, poderiam causar no seu portador, o que costumamos de chamar de tipo não-saudável, ou neurótico, mas que pode acontecer de tempos em tempos com qualquer um que carrega essa função sob diversas circunstâncias:
“Mas se, por um exagero forçado da atitude consciente, houver completa subordinação à percepção inferior, o inconsciente passa para a oposição, dando origem a sensações compulsivas (…). A forma de neurose é uma neurose compulsiva que apresenta como sintomas, as vezes, fenômenos hipocondríacos, as vezes hipersensibilidade dos órgãos sensoriais, as vezes ligações compulsivas com certas pessoas ou objetos.”
Resumindo:
Sim, Jung disse que a Ni pode ser considerada uma função relacionada ao futuro e até ser associada a previsão. Mas não previsão mística ou mágica mas sim previsão estatística, já que quem tem Ni consegue ter acesso a um banco de dados e imagens primordiais que estão armazenadas em todas as pessoas, logo uma Ni forte conseguiria fazer essa previsão com bastante eficácia.
Sim, quem tem Ni dominante vai ter sim dificuldade de se expressar. pela naturalidade como as funções se comportam, já que ter imagens vividas mentais na sua frente faz com que essa pessoa ofusque o real significado das coisas, inclusive, desaprendendo a se comunicar. Mas não é impossível ter um INTJ e um INFJ comunicador e excelente orador. É apenas necessário que se pratique muito suas funções julgadores, seja ela Te ou Fe, e saia naturalmente do seu estilo tradicional de ver o mundo apenas pela ótica da intuição perceptiva
Não, INTJs não são frio e calculistas como o estereótipo prega. Na verdade a aparência de provavelmente alguém que não se importa se deve ao fato que ele não está enxergando o que está na sua frente (por conta de uma Se baixa) e sim imaginando milhões de coisas enquanto você olha pra ele achando que ele é frio (Ni alta). Na verdade, INTJs são muito sentimentais, tendo preferencias de julgar o mundo de uma forma bastante pessoal, e talvez sim pode-se admitir que ele seja calculista, já que seu modo de agir externamente segue uma lógica externa do pensamento extrovertido (Te), metódico e lógico.
Nesse sentido, INFJs talvez podem ser um pouco mais frios do que INTJs já que abdicam de um sentimento pessoal inferior para fazer calculos mentais através de um ciclo Ni dominante + Ti (Pensamento Introvertido) terciário, tentando fazer dar lógica as suas imagens mentais. Mas ser é diferente de parecer, afinal INFJs sabem através de seu julgamento sentimental externo (Fe) que aparentar ser frio não é bom para a sociedade, e tentar ser simpático as causas é uma boa solução.
Glossário
Função cognitiva: processo mental e psicológico que pode agir de quatro formas: pensamento, sentimento, sensação e intuição
INTJ: Um dos 16 tipos de personalidade caracterizado pelas funções cognitivas: Ni dominante / Te secundária / Fi terciária / Se inferior
INFJ: Um dos 16 tipos de personalidade caracterizado pelas funções cognitivas: Ni dominante / Fe secundária / Ti terciária / Se inferior
Dominante: Função mais forte
Secundária e Terciária: Funções auxiliares
Inferior: Função mais fraca de um sujeito
Ni: Intuição Introvertida
Te: Pensamento Extrovertido
Fe: Sentimento Extrovertido
Ti: Pensamento Introvertido
Fi: Sentimento Introvertido
Se: Sensação Extrovertida